segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Reencontrando Caio

No meio de uma madrugada de sentimentos insones, reencontrei Caio.
Meu doce, querido e ácido Caio.
Ele num blog "mais do mesmo".
Eu, no mais profundo espírito "Morangos Mofados".

Deixo o turbilhão do peito em segundo plano e me pergunto como ele veria esse mundo de pendrives às milhas e vitrolas à míngua; Google como sucessor do velho Aurélio;
Muito Uber e pouco Táxi.

A vida é uma brasa, mora?

Uma esquizocrônicapara Samuel Beckett Na forma do caos


 [...]Deus do céu, palavras lindas na letra M do Aurelião, repetir fascinado me- tâmero, metasterno, metereoscópio, paranóias desenfreadas, tudo o que você quiser, e táxis, táxis, monóxido de carbono, amigos solicitando estranhíssimas cumplicidades, copos e copos de vinho tinto, ninguém dizendo meu-amor, suspeitas, censura interna outra vez, palavrão não pode, esse filme que já vi e por isso mesmo sei onde estou metido, uma carta que não chega nunca, nossa, como estou me lixando, vela branca pro anjo da guarda, bate outra, sal de frutas, pó de guaraná, candidatura de Gabeira, sen-si-bi-li-da-de-ex-ces-si-va não, meu caro: honestidade, epidemias, vírus, pestes, dengues, devia vender mais caro minh'alminha inestimável, Toninho ameaçado pelos skinheads, nenhuma solidariedade, azia na certa amanhã de manhã, saudade, saudade inútil o tempo todo de qualquer coisa indefinida, de alguém desconhecido, investigar preço de secretária eletrônica, ter certeza de que em algum ponto do caminho se perdeu e ponto, e pronto, acabou, e para sempre, querido e não tocado jamais, mobilizado pela raiva, por favor me leva daqui para que eu me esqueça de onde sei que estou metido, corrompido até o último hímen, já temos um passado, meu amor, me convida pra jantar na tua casa, bota Billie Holiday baixinho, depois me dá um beijo na boca, bem molhado, irrecusável, um sonho com Hilda Hilst, o texto, o texto, traí meu destino, companheira, empurrado pela de­sordem, sobrevivendo ao naufrágio, agarrado mísero e adjetivoso a meu pedaço de madeira flutuante, e agora chega, chega, let it be, let it be, baby, que la vie, em rose ou em black no duro — é sempre uma brasa, mora: o caos é a forma.[...]

Crônicas velhas, de um Caio novo. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Necessidades

Ela chega em casa, joga a bolsa no canto do sofá.

Tira os sapatos, ouve a última música antes de abandonar os fones de ouvido e sobe as escadas desesperada por um banho quente e sonhos bons.



segunda-feira, 15 de junho de 2015

Quando o incerto se torna certo e você não sabe o que é certo



Uma história que começou toda torta e foi seguindo meses a fio pelos mesmos trilhos. 

O que tinha tudo para ser um conto de Nelson Rodrigues fugiu totalmente dos padrões.
O ceticismo de beijos construídos como castelos de areia e a crendice de palavras escritas em concreto. Uma contradição conciliada em lençóis de seda.

Uma paixão nada sensata que entre culpa e tesão criou raiz.
Cascata de sentimentos agridoces escorrendo pelas frestas da razão.

Um beijo capaz de te revirar do avesso e distorcer todo resto a sua volta. Um romance proibido por votos que deveriam ser sagrados, mas o que é certo quando um desvio de olhares traça dois destinos?

O incerto se torna certo e se perde mais uma vez. Entre ironias e provocações o beijo continua avassalador.


Nem Nelson Rodrigues, nem Nora Roberts. Um amor desses que bagunça, faz estrago, embrulha o estomago e te tira o chão e que você torce para que não escorra entre os dedos.

Texto escrito em 03/06/2013

domingo, 16 de dezembro de 2012

Heranças




Para se ler a luz de pisca-piscas 

Sabrina estava sentada em sua poltrona tomando chocolate quente e olhando sua árvore de natal, cada enfeite ali posto cuidadosamente foi herança de sua avó (a maioria deles).

Madeline uma brasileira de nome francês ensinou a neta a amar o natal. Deixou de herança não apenas as bolas vermelhas com fitas de cetim e pingentes de vidro, como também: Receitas natalinas especiais, sentimentos nobres a serem cultivados o ano e pequenos rituais que viraram tradições em sua família. 

Aprendeu desde pequena que a cada ano um novo enfeite deve ser comprado, como sinal de prosperidade e que é de muito bom tom familiariza-lo com os enfeites veteranos para que haja harmonia entre eles e no lar. 

Naquele ano Sabrina comprou bengalinhas brancas e vermelhas e um pingente de anjo em cristal, que se adaptaram rapidamente em meio ao verde do pinheiro.

Os papais noéis que ganhou de sua mãe no ano anterior, adoraram as bengalinhas. Seus olhos brilharam ao serem apresentados e pediram para que ficassem no mesmo galho aquele ano. O anjo de cristal ficou encantado com as gotas de vidro e ficou entre elas em um galho central para que os outros enfeites lhe dessem as boas vindas.

O cheiro dos biscoitos no forno lhe despertou do devaneio, olhou mais uma vez para sua árvore de luzes brancas, sorriu para ela e foi a cozinha terminar os preparativos da festa.





FELIZ NATAL AOS AMIGOS, AOS LEITORES, AOS FAMILIARES E A TODOS QUE FIZERAM E FAZEM PARTE DESTE E OUTROS NATAIS!


quinta-feira, 26 de julho de 2012

Tempo Nublado, Pizza e um Tango

                                                              
                                                                            Para ler ao som de Cérebro Eletrônico

Dê amor/ Dê paixão / Dê espera / Dê esperma / Dê prazer / Dê fogo
Dê uma nela / De carinho / De sacanagem / De sarro / De fato
Dê amor / Dê segurança
 De anca na anca dela / E amanheça de cabeça dentro dela 



Cristina, mulher madura (porém jovem). Do tipo independente, que sempre gostou de pagar as próprias contas e não ter de dar satisfação de seus atos. Nunca teve sorte com os homens.

 Bernardo, menino em corpo de homem. Simpático, galante e do tipo que não se apega.

Amigos a cerca de um ano. Saíram uma noite para jantar, transaram e o tempo ficou nublado. 
   ...

Cristina recebe um telefonema de uma amiga no meio da tarde, Paty tem ingressos para um espetáculo no Municipal e deseja sua companhia.

Sexta - feira combina com um bom musical, comida leve e a companhia da amiga.

As 19h00 em ponto Paty pega Cristina em casa e seguem de carro rumo ao centro da cidade. No meio do caminho Cris percebe que o percurso está diferente.

Estão no bairro do Bexiga, em frente a uma cantina Italiana.

- Paty, o que estamos fazendo aqui? Não íamos ao teatro?

- Calma Cris, só vim cumprimentar um amigo... Coisa rápida!

 Mesmo achando estranho, lhe acompanha e entram na cantina.

         ...       

Diogo era caso antigo de Patrícia, se viam de vez em quando... típico "sexo casual".
Diogo e Bernardo eram amigos de infância.
                                 ... 

Cristina usava um vestido preto de cashmere (um palmo a cima dos joelhos), salto alto (também preto) e uma echarpe vermelha.
                                                                         ... 

Antes de serem atendidas, foram recepcionadas por Diogo e Bernardo.

Com o canto dos olhos, Cristina olha para Paty e percebeu outra troca de olhares entre sua amiga e Diogo, olhar de cumplicidade.  E na sua frente, um sorriso "amarelo" de Bernardo.
                                                                        ...  

Cristina e Bernardo se conheceram em um sebo na Vila Mariana, olhavam CD's... Ele fez um comentário qualquer sobre música popular brasileira, o que terminou numa agradável conversa em um café de esquina.

Trocaram cartões de visita, redes sociais e descobriram que tinham amigos em comum... Patrícia Soares!!!

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Em uma terça-feira em que o movimento na agência estava fraco, Cris aproveitou para responder alguns e-mails e conversar com os amigos na web.

Bernardo estava online e puxou assunto. Já havia se passado algumas semanas desde que se conheceram no sebo e não tinham se falado desde então.

Falaram sobre o "básico" (onde mora, o que faz da vida, qual seu filme preferido, musica e blablabla). Sempre que possível conversavam pela internet.

Um dia almoçando com Paty, encontraram na praça de alimentação do shopping ele e Diogo. Em outro fim de semana, baladinha na casa de alguns amigos e lá estava ele também.

Gradativamente foram notando-se nos mesmos círculos sociais, conversando com frequência e marcando almoços esporádicos.

Tornaram-se amigos... Já fazia quase um ano que se conheciam e que o estranho do sebo se tornou o cara divertido que chamava com quem saia de vez em quando.

Numa sexta-feira Bernardo liga pra Cristina, conversam sobre a semana de trabalho e a programação do fim de semana. Paty e Diogo iriam viajar e ambos estavam sem os respectivos “amigo escudeiro”. Combinaram de jantar e terminar o papo tomando uma taça de vinho.

Pizza, vinho... ele extremamente cheiroso e ela meio carente.

Amanheceram em um quarto de motel. Roupas, lenções e cheiro agridoce espalhados.

Bernardo a deixou na porta de sua casa se despediram com um selinho e certo constrangimento.

                                                                 ... 

Ficaram dias sem se falar. Depois de algumas semanas de “sumiço” Cristina mandou um sms, perguntando se estava tudo bem com ele e o porquê do silêncio. Recebeu um “Está tudo bem, desculpa é que os dias têm sido corridos.”

Ela fingiu que acreditou com a mesmo ênfase que ele fingiu que suas palavras eram a verdade.

Claro que ele não ligou, não mandou e-mails e deixou de reconhecê-la nos eventos sociais.

Ela apenas confirmou a tese do “não tenho sorte com homens”.

                                                                 ... 

O que aborrecia Cristina não era a falta do telefonema e dos chocolates no dia seguinte. Não precisava de promessas que não seriam cumpridas nem de falsos amores.

Ela sempre gostou de doses duplas de sinceridade e ao longo da vida aprendeu a lidar muito bem com elas.

Sempre assumiu posição de mulher, senhora do seu corpo e de suas ações e não admitia ser tratada como menina que não sabe quem é e para onde está indo (e muito menos como “uma qualquer”, fonte de sexo fácil e apagável).






Cantina Italiana, noite de sexta – feira.
 
Patrícia e Diogo em posição de defesa - Bernardo com um sorriso amarelo
Cristina mordendo o lábio inferior para controlar sua ira momentânea!

- Não sei o que está acontecendo aqui, mas eu vou embora!

Cristina odiava escândalos, a amiga sabia como se sentia a respeito de Bernardo e junto com Diogo “forçaram” uma situação (provavelmente a pedido do próprio Bernardo).

Patrícia conhecia muito bem a amiga, e sabia que ter perdido o “amigo Bernardo” por uma noite de sexo era o que a deixava inconformada. Que se fosse outro cara, outra relação, não teria lhe abalado. Mas amizade sempre foi coisa séria para Cristina.

Bernardo queria revolver as coisas, pedir desculpas pela atitude infantil dos últimos meses e voltar a ter paz. Ele via o olhar recriminador dos amigos quando falavam sobre Cris.

Diogo gostava de Paty e do relacionamento que tinham. Ele e Bernardo eram muito parecidos, o suficiente para saber que o amigo não era do tipo “cafajeste”.

- Cris, fica... Não é pra tanto, o Bernardo quer conversar com você.

Cristina engoliu seco.

- E ele precisa de vocês DOIS para conversar comigo?

Patrícia, cheia de dedos

- Ele vai pagar o jantar, eu adoro comida Italiana...
- Não custa compartilhar uma noite agradável conosco e ouvir o que ele tem a dizer Cris.

Bernardo

- Cris... eu pedi para eles virem.
- Não sabia se ia querer falar comigo depois de...  meses.

Cristina

- Não acredito que me colocou em tal situação Patrícia. Por mim eu iria embora agora.
                                                                     
O Maitre vai até eles e pergunta se é mesa para quatro.
Bernardo confirma, e sem muito que fazer os quatro são direcionados a mesa.
                                                                         ...
Durante o jantar, Paty e Diogo tentam aliviar a tensão do ambiente enquanto comem uma massa ao molho pesto (preferido de Cris).

Bernardo chama Cristina para dançar.

Um Tango Argentino em passos simples - Uma tentativa de se explicar
                                                                       ...

Tango é um estilo “ferro e fogo”, não tem como ser indiferente ao seu ritmo e seus passos. Não é uma dança em que a dama é apenas conduzida pelo cavalheiro. Tem que saber os passos e fazer caras e bocas, se não... não é Tango!
                                                                         ...
   
Cristina conhecia bem os passos e gostava do estilo ferro e fogo. Deixou que ele fala-se.

- Cris, sei que fui infantil...

Cristina

- Sabe?

Bernardo

- Sei. E não me orgulho disso.

Cristina

- Sabe também que usar a Paty e o Diogo para me dizer isso não é a atitude mais madura?

Uma cruzada de pernas, os corpos se juntam... nariz com nariz, olho com olho - Próximo passo

- Fiquei com medo de não querer conversar comigo, se te procurasse diretamente.

Outra cruzada de pernas.

- Não tenho motivos para deixar de falar contigo Bernardo, só não admito ser ignorada sem ter feito nada. Transamos, não selamos compromisso!
                                                                              ...

Último tilintar de castanholas, fim do Tango Argentino!
Uma risada escapa no último gole de vinho... 



Paty e Diogo seguem juntos para algum canto da cidade.

Cristina acena para o primeiro taxi que aparece e finge não escutar Bernardo dizendo que a leva.

Bernardo fica parado na frente da cantina olhando o taxi se afastar.



...

Ao chegar em casa Cristina tira os saltos, guarda a echarpe e veste seu pijama.

Foi uma noite atípica, ela já havia pensando nesse "encontro" com Bernardo... Imaginou que teria pitadas de ironia, mas não um Tango Argentino.

Sempre defendeu a tese de que cada um tem uma forma de pedir desculpas e dizer eu te amo's.
Foi obrigada a admitir que uma cantina Italiana e molho pesto é uma forma requintada de se desculpar...
Ou de dizer que se importa.

Talvez tenha sido dura de mais, meio intransigente.

Foi até a cozinha, pegou um pote de sorvete no freezer... colocou "O Fabuloso Destino de Amelie Poulin" no DVD. Essa era sua zona de segurança.

O celular na mesa de cabeceira vibrou.

Sms da Paty: "Cris desculpa pela 'mentirinha' mas tenho os ingressos para o Municipal, é pra quinta... não aceito não como resposta. Beijos!"

Tinha mais uma mensagem na caixa de entrada, Bernardo:

"Você sabe como se dança um Tango... obrigada por ter ficado. Bernardo"

Desligou o celular, o filmes estava começando!





"Estranho o destino dessa jovem mulher, privada dela mesma, porém, tão sensível ao charme das coisas simples da vida..."

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Onze de Junho


11 de Junho de um ano qualquer.

Eles caminhavam pela Avenida Paulista em uma noite fria, véspera de dia dos namorados.
O caso deles era antigo, porém, nunca houve relacionamento assumido...  Sentimentos estampados sempre foi o bastante.

Ter ele ao seu lado, naquela noite em especial se tornaria um momento único nessa história atemporal. Uma fotografia com gosto de Fran's Café e ao som de saxofone.

Os olhos dele brilhavam aos pés da torre da TV Globo, o que a fez lembrar-se daquele conto do Caio Fernando:

"Na noite de sábado, caminhando sozinho pela avenida Paulista, o quarto-crescente brilhando sobre a torre da TV Globo, uma vontade desesperada de ter alguém – as únicas canções que me vieram à mente para cantar baixinho foram canções de Bethânia."  

Estar com ele, é sempre uma emoção Bethânia.

E de volta ao metrô, mesmo cenário de conversas ao telefone em que ela o levava consigo. 
Ele em outro estado, atrasado para aula de ciências políticas.

Agora lá estavam, os dois no mesmo vagão, compartilhando o mesmo assento. Abraçados, de mãos entrelaçadas, conversando sobre coisas comuns.

Em poucas horas, ela mostrou a ele duas São Paulos distintas... Da Avenida Paulista (linda que só ela) à Zona Leste.

Ele não notou a diferença durante o percurso, foi como se estivessem no ônibus A-123, saindo do terminal central indo para a antiga rua 43, no bairro Santa Mônica. Indo para casa dela, onde sua avó estaria os esperando com uma bandeja de quibes fritos.

Chegaram mais de 23:00 e lá estava a avó dela com os quibes e café quente, recém passado esperando-os. 

Sentados os três a mesa, como em outra tarde meio nublada ... lembranças de uma outra vida. 

É engraçado como ele se encaixa harmoniosamente naquele ambiente. 
Come os quibes, toma café, conversa com aquele sotaque amineirado e maroto...

A avó diz boa noite, mostra a cama de solteiro com lenções limpos que arrumou para ele e delicadamente se dirige para seu quarto.

O coração dela dá um salto... mostra a ele o quarto dela e sorrateiramente fecha a porta do quarto destinado a ele. 

Ela se recorda vividamente da última vez em que o teve em sua cama. Um momento em que estava tão cansada de procurar outros corpos, que foi trombar com ele uma única vez para querê-lo de volta a sua vida, seus pensamentos, sua cama... Bastou um telefonema, scrap, ou coisa do tipo para tê-lo ali.

As amigas dela dizem que essa história é como o filme, (a) "História Sem Fim", quando tudo indica que cada um seguirá um caminho e ficarão apenas lembranças de dias que se foram, lá estão eles... em uma rodoviária ou estação de metrô, trocando beijos e falando de filosofia.

Ela entra no quarto, ele está deitado em sua cama, cheio de malcaratismo no olhar e sorriso escancarado. É inevitável o riso, a ironia do momento... Assim como é inevitável não lembrar dos tempos da cama de armar e um mês inteiro de Bob Marley.


I wanna love you and treat you right

I wanna love you every day and every night
We'll be together with a roof right over our heads


Foi uma madrugada digna de um 12 de Junho, em que os beijos dele, junto aos dela , aqueceram não apenas seus corpos... Trouxe calor ao seu coração desnorteado na cidade grande. Por menos de 24 horas, um teve ao outro por inteiro, compartilharam uma intimidade construída e regada a sei lá quantos anos. 

Fizeram amor (diferente de fazer sexo), riram de coisas bobas entre beijos e gemidos.
Tiraram fotos, registros de uma noite malcarater transbordando carinhos.

Olhos no teto, corpos enroscados, pensamentos dispersos e uma conexão atípica... antes ela apenas o olhava nesse vagar de pensamentos, agora compartilhavam aquele fragmento de tempo silencioso.

Dormiram as horas restantes da madrugada fria, juntos, corpos colados, sono sem sonhos.

O celular desperta ... o ignora.

Ela olha a hora... estão atrasados.

Um segundo se passa, mesmo tentada a mantê-lo ali, perto de si a aquecê-la e só para ela... o acorda e saem em disparada.

Feito cena de filme, com passos largos e longos goles de café comprados no meio do caminho ele se deixa guiar de volta a catraca de metrô do encontro.

Subindo a rua de sua casa, antes de chegar ao ponto de ônibus ela lhe da um pequeno objeto, para que se lembre dela... daquela noite... de seus beijos.

Dorme em seus braços quando entram no vagão de metrô, como se não fosse voltar sem ele. Sente teu cheiro, e lembra-se da primeira vez que o deixou... férias de Agosto, e da camiseta azul que queria para si. Não era mais necessário objetos para reter o cheiro dele, pois o cheiro estava impregnado nela. Em cada poro... e mesmo depois de banhos matinais e o escorrer da água, ele permaneceria nela, estava retido em sua memória olfativa.

Ele brincava com seus cachos e disse sem medo o quanto a achava linda e da beleza daquela noite e do tempo que estiveram juntos.

Deixa-lo passar por aquela catraca foi mais difícil que suspeitara. Mas ela precisava deixa-lo, mesmo sabendo que mudanças estariam por vir... Aquele ainda não era o momento em que o teria perto o suficiente para não precisar das fotos. 

A foto da despedida não ficou tão boa, mas foi com ela que teve de se contentar. 

Um último abraço apertado... um último beijo... 


See I wanna love ya, I wanna love and treat ya, love and treat ya rightI wanna love you every day and every nightWe'll be together with a roof right over our headsWe'll share the shelter of my single bedWe'll share the same room yeah, but jah provide the breadWe'll share the shelter of my single bed


"Doía fundo estar perdido na grande cidade, era completamente sem remédio ser só uma pessoazinha machucada. Mas brotou então um orgulho tão grande de ser ainda capaz de sentir o coração cheio de emoções-Bethânia que era quase como uma felicidade. Sangrada, do avesso – que importa? Era real, era vivo. Isso é muito, e Bethânia canta."



Entre rodoviárias, catracas e estradas essa é uma história que sempre pede uma nova página em branco...


O que seria o "início" do conto foi escrito e postado por um amigo (Cristian Dorvas)  em seu blog: http://cristiandrovas.wordpress.com/2012/07/10/onze-de-junho/

sábado, 31 de março de 2012

Meditação


Para ler ao som de Nara Leão

As tardes de sábado são as preferidas de Marina.

Marina sai de sua casa logo depois do almoço e caminha pela cidade em busca de novidades e aventuras.

Naquele sábado o sol brilhava em amarelo dourado diluído em àgua, dava quase pra sentir os pingos orvalhados de sol sob a pele. Sua mãe achava isso maluquices de menina e sempre dizia que Marina tinha um pé no mundo da lua.

Não muito longe da casa cor de rosa situada na rua das margaridas, havia um parque desses
ecológicos... Cheio de árvores, parquinho para garotada e um Museu. O Museu não ficava dentro do parque, afinal onde já se viu, museu dentro de parque?
Nada disso, o Museu ficava ao lado do parque ecológico e é esse o destino de Marina naquela tarde de sábado de sol orvalhado.

Um Museu antigo, como todos os museus. Cheio de salas e corredores, com cheiro de mistério e vidas alheias.

Era esse cheiro de vidas alheias que encantava Marina.

Saber que as molduras bonitas nas paredes traziam mais que meros retratos, fazia os olhos da garotinha brilharem. Saber que cada pincelada tem uma história, um motivo... fragmento de vida.

O museu não era muito grande e ela conhecia cada uma das obras ali expostas. Assim como cada um dos trabalhadores e visitantes.
Marina era muito querida naquela casa antiga, guardiã de artes e artistas. Todos esperavam sua visita com muito carinho, há quem dizia que até quadros e esculturas sorriam com sua chegada.

A menina com suas mãos pequenas, cabelos encaracolados, pele morena e um sorriso... Bem, o sorriso de Marina é daqueles arrebatador, que derrete até coração de bruxa malvada em conto de fadas. Simplesmente irresistível.

Ela traz vida ao Museu do parque (que não fica dentro do parque, mas é assim conhecido... Museu do parque) com seu jeito de criança sabida, que vê além do que está impresso, olhos atentos que desperta a atenção de quem a vê.

Marina sempre faz caminhos diferentes para ir ao museu, ela gosta do desconhecido e o cenário (ruas, caminhos, vielas) é sempre um convite a novos afetos (um senhor simpático sentado na calçada lendo jornal, uma muda de planta que ta virando árvore ou simplesmente um ninho de passarinho em "construção").

Nesse sábado, ela decidiu ir pelo parque porque ficou sabendo que estavam plantando flores novas e queria ver se eram coloridas e bonitas.


No parque ela também era conhecida, mostraram em primeira mão as flores a serem plantadas e ainda ganhou um lindo buquê de Margaridas, Lilases e flores do campo.

Chegou contentíssima no Museu e presenteou os funcionários com as flores, que foi posto em um lindo vaso antigo de cristal, no hall de entrada.

Sempre ao chegar, ela sai cumprimentando os amigos que a recebem com muita alegria e alguns mimos (uma fita de cabelo, chocolate ou lápis de cor), visita rapidamente todas as salas para dar um "oi" aos quatros, esculturas, tapeçarias  e pessoas que lá estão e aí sim ela escolhe uma obra para dedicar seu tempo.

Vai até ela, a observa com toda atenção que uma menina de 9 anos pode dispor, se apresenta, pois é falta de educação querer desvendar o mistério envolto no ser, sem ao menos dizer seu nome.

Uma vez identificada ela se senta, assim mesmo no chão... pernas cruzadas igual de índio, com vestido tampando os joelhos, mãos soltas e olhar fixo.

Ela não diz nada em voz alta, porque vai incomodar os outros visitantes (ou chamar atenção, aí vão atrapalhar aquele momento tão bonito e íntimo, porque vai juntar um monte de gente envolta dela querendo saber "o que está acontecendo"), mas mantém um verdadeiro diálogo com a obra de arte (qualquer obra, seja quadro, escultura ou peça de roupa de Don Fulano de tal).

Nenhum detalhe é despercebido... é um momento em que Marina, tenta entender quem que produziu aquela peça, o que ela queria produzir, se o azul era azul ou reflexo de lua. Ela tentava restaurar a aura da obra de arte, claro que ela não sabia de nada disso, mas era exatamente isso que fazia.

Para Marina, a menina de 9 anos de sorriso arrebatador, aquilo era coisa de criança.

Querer desvendar o mistério da vida, porque quadros, são retratos da vida, não são? Era o que ouvia na televisão pelo menos... A mãe dela também vivia dizendo:

Essa menina tem cada uma, quer saber o porquê de tudo

O que ninguém contou a Marina é que a maioria das pessoas que ela via na rua, no parque, na televisão e no Museu não entendiam de quase nada daquilo que viam. Que aquelas expressões de admiração com quadros, esculturas, objetos e afins, em sua maioria eram expressões "vazias" pois não se deixavam envolver com aquele cenário.

Visitavam, sorriam, comentavam... mas ao voltar para suas casas, nada mudava.
Resultado de imagem para batata sorrisoA rotina seguia seu ritmo, o que talvez as fazia sorrir, era a lembrança da menina sentada no museu, com postura de jovem adulta, absorvida em um diálogo mudo com um quadro de moldura bonita.

A Marina que voltava para casa, nunca era a mesma que havia saído horas antes. Ela trazia consigo um universo de coisas e vidas novas.

Marina cresceu, e mesmo assim era conhecida como a moça com alma de menina, que visitava museus e conversava com flores.


Sim, seu sorriso ainda era capaz de apaziguar guerras.